“Quando
a força de Cartago floresceu, Hanno navegou de Cádiz para a extremidade da
Arábia, e publicou a memória de sua viagem, como fez Himilco quando foi enviado
pela mesma época para explorar outras costas da Europa.”
Plínio não se estende além disso. Pouco
mais de dois séculos depois, em 350 d.C., o aristocrata romano Rufus Festus
Avieno escreveu um poema intitulado Ora
marítima, dedicado a um certo Probo, que não sabemos se é um seu parente e
amigo Sextus Petronius Probo, cônsul em 371, ou o filho de Sextus, Anitius
Ptronius Probo, também cônsul, em 406. O Ora
Maritima é dedicado a descrever a geografia da costa da Europa além de
Gibraltar.
A primeira descrição geográfica de Avieno
vai dos verso 80 até o 98, depois de um longo preâmbulo cheio de conselhos ao
destinatário do poema, é um roteiro geral da costa desde as Colunas de Hércules
até as ilhas do “estanho e do chumbo”. A primeira coisa visível eram o monte
Ábila, na Europa, e o monte Calpe, na África (as Colunas de Hércules), depois o
entreposto comercial cartaginês de Gadir (que Avieno confunde com Tartessos, o
porto do reino rival dos cartagineses no Atlântico), em seguida um grande penhasco
chamado Oestrimnis, após o que vem o
largo Golfo Oestrimnicus e finalmente as Ilhas
Oestrimnides, as ilhas ricas em estanho
e chumbo.
Oestrimnis,
Oestrimnícus, Oestrimnides são nomes latinos que indicam a extremidade, o limite do mundo, a Finisterra, a Finlândia, as Ilhas
do Norte, colocadas no fim do mundo. Os geógrafos antigos deram os nomes desses
lugares apenas por convicção de que não havia nada além. As Ilhas Oestrimnides
eram as Cassitérides, o grupo de ilhas além do promontório da Cornualha, nas
Scily. Das Cassiterides até a costa da Irlanda (a Ilha Sagrada), segundo
Avieno, um navio cartaginês consumiria dois dias de navegação. De Gibraltar até
a as praias mais distantes rumo ao norte pela costa da Irlanda, a navegação
consumiria quatro meses. Avieno consome versos mostrando como essa navegação
seria perigosa: um mar plano, sem costas à vista, com calmarias desesperadoras
que deixariam os navios dias parados, com grande extensões de algas que prendem
as naves e limitam a ação dos remos, baixios que ameaçam encalhar os navios e
os forçam a serpentear por entre monstros marinhos que nadam à volta dos
navios...
Périplo de Himilco às Scilly, as Oestrimnides,
as lendárias "Ilhas do estanho"
De fato, o oceano além de Gibraltar
realmente causava temores. O nome “Mediterrâneo” significa “entre terras”. Por
imenso que seja, o Mediterrâneo está cercado por terra, como um lago. Isso
resulta em pouca maré, ondas baixas, correntes fracas e um regime de ventos
bastante cadenciado. O mesmo não ocorre no oceano. Quando as primeiras navegações
fenícias alcançaram o Oceano Atlântico, encontraram condições climáticas,
regime de ventos, correntes, maré e ondas que exigia muito mais do navio e da
tripulação. Durante o ano, todos os ventos sopram do norte ou noroeste – no
inverno podem vir de nordeste – e sua força pode ser de quatro nós durante o
dia (19-26 km/h) ou dois nós de madrugada (7-12 km/h), mas pode vir a alcançar
até seis ou sete nós (36-54 km/h). Hesíodo,
o antigo poeta grego, em sua obra Os
trabalhos e os dias dedica muitos versos à navegação (segundo a tradição
ele herdou uma empresa marítima de seu pai) e é por causa desses versos que
sabemos que os povos antigos sabiam que a melhor época para navegar eram os
cinqüenta dias antes da “queda das Plêiades”, isto é, de fins de julho a meados
de setembro. Nesse período, a frente polar mantém-se até o paralelo 60°N, congelando apenas
o norte da Escócia, e deixando a Corrente do Golfo aquecer as águas do
Atlântico entre o sul da Irlanda e Gibraltar.
A referência a Himilco no Ora Maritima ocorre em três passagens
(versos 117-129, 375-389 e 402-413), sempre com o mesmo formato: o testemunho
de Himilco corrobora a narração de uma difícil navegação entre Gadir e as Ilhas
do Estanho.
visão que Himilco teve das Scilly, enevoadas, frias, úmidas,
batidas por ventos gelados que viram chuva, vindos do pólo.
Na imagem vê-se na névoa a moderna torre do farol.
O que Avieno nos conta daquilo que Himilco
viu? Que nas Ilhas do estanho, nas Oestremnides,
habita um povo muito forte, portentoso, habilidoso, vigoroso e entregue a um
ativo comércio de minérios. Que esse povo não sabe construir navios de madeira,
mas que fazem grandes botes de pele e couro e que mostram grande coragem em
enfrentar o oceano nesses barcos. Além das Oestremnides
vivem os hiernos, o povo da Irlanda e
mais além os albiones, os habitantes
da Grã-Bretanha.
